3º dia da NOVENA – Biografia de Santa Edith
Stein, considerada padroeira dos universitários – O texto abaixo é a Parte 3 do
artigo de Renê Courtois
A SOMBRA DA CRUZ
O ano de 1933 se
iniciava sob inquietantes presságios: a chegada brutal do nacional socialismo
fazia prever perseguições próximas contra os judeus.
Uma tarde, durante a
quaresma, Edith Stein teve pela primeira vez uma notícia destas ameaças. Desde
esta hora, a dolorosa apreensão de tantos sofrimentos reservados a sua raça não
deveria deixá-la mais. No começo de abril, de passagem em Colônia, ela assistiu
a uma Hora Santa na capela do Carmelo Lindenthal. Nesta tarde houve entre o
Mestre e sua discípula, um compromisso secreto que deveria orientar daí em
diante todo o seu destino. Deixemos a palavra a Edith Stein: “Eu me dirigia ao
Senhor, nos diz ela, e Lhe dizia que sabia bem que sua Cruz pesaria daí por
diante sobre o povo de Israel. Estava pronta a percorrer este caminho. Que o
Senhor me indicasse apenas o que devia fazer. Quando terminou o ofício, eu
tinha a certeza interior de ter sido atendida. Mas não sabia ainda qual seria a
minha Cruz.”
Ela o saberia bem
cedo. De retorno a Munster, a 9 de abril seguinte, recebeu o aviso de que todo
ensino e toda publicação estavam interditos aos não arianos. Ela compreendeu que
sua carreira universitária estava terminada. Vários convites lhe foram feitos
do estrangeiro, especialmente da América do Sul. Mas sua decisão era
irrevogável. Há doze anos aspirava com toda a sua alma a vida contemplativa.
Não tinha soado a hora de realizar enfim o seu desejo íntimo? Não se lhe
poderia mais objetar com a necessidade de sua ação no mundo, uma vez que toda
atividade pública lhe era interdita.
O abade de Beuron
aquiesceu finalmente ao seu pedido. Imediatamente, Edith Stein deu os passos necessários
para sua admissão no carmelo de Colônia. Ela deixou Munster, em julho de 1937,
e passou um mês em Colônia. Enfim, partiu para Breslau, para se despedir
definitivamente dos seus.
Lá, tudo se ignorava
de sua decisão. Sua irmã Rosa, a quem ela se confiou em primeiro lugar, ficou
surpreendida, mas compreendeu e calou. Pouco a pouco ela se abriu com seus
irmãos e irmãs, pedindo-lhes que nada revelassem a sua mãe. Como outrora,
passava seus dias de espera na intimidade desta mãe venerada. Idosa, com 84
anos, sentava-se a sua mesa de trabalho e lhe confiava tudo que tinha no
coração. Jamais inquiriu dos projetos futuros de sua filha. Por sua vez, Edith
não desejava apressar a hora da dura revelação.
O momento, porém,
devia chegar. Devemos consignar aqui a emocionante descrição que Edith nos
deixou: No primeiro domingo de setembro, eu estava só em casa com mamãe. Ela
estava sentada, tricotando perto da janela. Eu estava ao pé dela. De repente,
ela me fez a pergunta tanto tempo esperada:
“- O que vais fazer
em Colônia, com as religiosas?
- Viver com elas! -
respondi
Mamãe não parou de
tricotar. Seu novelo de lã se desenrolou. Com as mãos trêmulas, procurou
ajeitá-lo. Eu ajudei, enquanto a nossa conversa continuava. Desde este momento
a paz tinha terminado. Sobre a casa, pairava uma pesada pressão. De tempos em
tempos mamãe me fazia uma pergunta ou outra. Seguia-se um silêncio. Meus irmãos
pensavam como minha mãe, mas não desejavam aumentar seu sofrimento. Um de seus
genros, contudo, mostrou-lhe que a minha decisão consumaria a minha ruptura com
o povo judeu justamente quando se aproximavam terríveis provações. Como esta
alusão a minha infidelidade deve ter feito sofrer minha mãe!”
Ela que aceitava com
o coração tão leve a Cruz que se abatia sobre sua raça, e que desejava carregar
diante de Deus! A separação me foi tão cruel, que ninguém poderia me dizer com
certeza, se tal ou qual maneira de agir teria sido a melhor. Eu tinha que dar
este passo nos mistérios da fé. Muitas vezes, durante estes dias, pensei: Qual
de nós duas, mamãe ou eu, não saberá mais resistir?
“Mas nós ambas aguentamos
até o último dia.”
A 12 de outubro,
aniversário de Edith e, ao mesmo tempo, festa judia dos Tabernáculos a jovem
acompanhou, uma vez mais, sua mãe à sinagoga. Durante o longo trajeto de volta
que sua velha mãe queria fazer a pé, a fim de abrir o coração com a filha, ela
lhe perguntou:
“- O sermão não foi
belo?
- Certamente mamãe!
- Então também se
pode ser piedosa entre os judeus?
- Por certo, se não
se aprendeu a conhecer outra coisa.” Ela teve então esta dolorosa reflexão:
“- Porque então
aprendeste a conhecer outra coisa? Eu não quero reprovar nada a Jesus. Ele pode
ter sido uma criatura muito bondosa. Mas por que ele quis se fazer Deus?”
“Neste dia havia
muita gente em nossa casa. Um após outro nossos hóspedes se despediram. Por fim
eu fiquei só, com mamãe. Com as mãos no rosto, ela começou a chorar. Eu me
coloquei atrás de sua cadeira e abracei docemente esta venerável cabeça branca.
Assim ficamos longo tempo, até que ela quis se deitar. Nesta noite, não
fechamos os olhos nem por um momento.”
O CARMELO
No dia seguinte pela
manhã Edith Stein partiu para Colônia, e, dois dias depois encontrava-se diante
desta clausura que há tanto tempo desejava transpor.
A 15 de outubro de
1933, com 42 anos de idade, Edith Stein terminava o estranho itinerário que a
conduzira de Husserl ao Carmelo. Daí em diante, começava uma nova estrada. A
estrada da irmã Teresa-Benedita da Cruz. Este foi o nome religioso que tornou,
a 15 de abril de 1934, ao receber o hábito. No dia seguinte a esta cerimônia, o
provincial dos Carmelitas pediu-lhe que retomasse daí por diante, em seu tempo
livre, seu trabalho científico de filosofia.
Assim logo se
encontrou em sua cela, entre seus livros. Aí comporia a principal obra de sua
vida: L´ être fini et l´être éternel, uma expicação da filosofia moderna, de
Descartes a Heidegger. Esta obra em dois volumes não pode ser publicada na
época, por causa dos decretos que impediam toda literatura não ariana.
Apesar do isolamento
do claustro, ela continuava em comunicação com a sua família. Cada semana, por
uma permissão especial, enviava uma carta a sua mãe. Por muito tempo suas
cartas não tiveram resposta. Afinal, recebeu uma carta, testemunha do amor
materno enfim vencedor. A partir deste momento, as cartas de sua irmã Rosa
traziam-lhe de cada vez algumas palavras de sua mãe. Durante o verão de 1936,
mulher admirável, com 87 anos de idade, caiu doente e seu estado piorou
rapidamente. A 14 de setembro, na festa de Exaltação da Santa Cruz, fazia-se no
Carmelo a cerimonia de renovação dos votos. Quando chegou a vez da irmã Tereza
da Cruz, ela teve de súbito a clara intuição: “Minha mãe está ao meu lado”. No
mesmo dia, um telegrama trouxe a notícia do falecimento. Sua mãe tinha expirado
na hora da renovação de seus votos.
Durante o Advento de
1936, Edith Stein teve a alegria de acolher sua irmã Rosa que recebeu afinal o
batismo, tanto tempo retardado para não ferir ainda mais a velha mãe.
O céu cobria de
nuvens cada vez mais sombrias. A perseguição nazista, longe de diminuir,
redobrava de violência. Era uma pérfida campanha contra a religião de um modo
geral, e contra as ordens religiosas em particular. A irmã Teresa temia que a
sua presença expusesse o Carmelo de Colônia a represálias. Assim, a sua partida
para a Holanda foi decidida.
Durante a noite de S.
Silvestre, em 1938, ela passou clandestinamente a fronteira e dirigiu-se ao
Carmelo de Echt, no Limburgo Holandês. Rapidamente adaptou-se. Às seis línguas
que já dominava, acrescentou o flamengo. Prosseguindo seus trabalhos
intelectuais, acabou seu estudo sobre S. João da Cruz: A Ciência da Cruz.
Nesta época, sua irmã
Rosa veio encontrá-la no Carmelo de Echt, como carmelita de terceiro grau.
O HOLOCAUSTO
10 de maio de 1940.
Em meio ao fragor das explosões e ao rugir dos motores, a possante máquina de
guerra nazista se põe em marcha. A Holanda é rapidamente ocupada. As
perseguições anti-semitas desenvolvem-se com violência.
Um perigo imediato
pesa, de novo, sobre a irmã Teresa da Cruz. Por isto, é decidida uma nova
evasão para a Suíça, para o Carmelo Le Pâquier, perto de Friburgo.
Era o começo de 1942.
As formalidades burocráticas se alongavam. Uma convocação da Gestapo já chamara
a religiosa a Maestricht e depois a Amsterdam. A sua presença não tinha
escapado à sinistra polícia. As ameaças se faziam cada vez mais temíveis.
Felizmente, tudo estava pronto para a partida... Mas não eram estes os
desígnios de Deus.
A 2 de agosto de
1942, a comunidade de Echt tinha se dirigido ao coro, como de costume, para a
oração matinal. Bateram na porta do convento. Dois oficiais apareceram e
solicitaram a presença das irmãs Stein. Estas, supondo que lhes traziam o
passaporte para a Suíça, deixaram a capela.
Ao entrar no
parlatório, empalideceram. Os SS as esperavam. Tiveram ordem de se aprontar
para deixar o Carmelo em dez minutos.
Edith Stein voltou ao
coro, ajoelhou-se uma última vez diante do Santíssimo Sacramento e deixou a
comunidade, com estas palavras: “Por favor, irmãs, rezem por nós.”
Os enérgicos
protestos da Madre Superiora não tiveram nenhum efeito. Rapidamente as duas
religiosas reuniram o que lhes permitiram levar: uma coberta, uma caneca, uma
colher e algumas provisões.
Na rua, onde uma
multidão se tinha reunido para protestar, estava um grupo dos SS. Fizeram
entrar as duas irmãs em uma viatura que partiu para um destino desconhecido.
Em Echt, onde a
angústia reinava, recebeu-se um telegrama do campo de concentração de
Amersfort. Edith Stein pedia algumas vestes quentes e seu breviário.
As irmãs enviaram
rapidamente a sua encomenda, por intermédio de jovens holandeses que puderam
entrar em comunicação com as duas religiosas. Eles as encontraram muito calmas,
sem a menor queixa, mas na incerteza total de seu futuro. Uma carta recebida
pouco depois, anunciava a sua partida iminente para leste. Veio ainda uma
palavra, última confidência que brilhou como uma última chama na noite: “A
ciência da Cruz não se pode adquirir sem que ela nos pese realmente sobre os
ombros. Desde o primeiro instante eu estava convencida, e a mim mesma me dizia:
Ave crux, spes unica...”
O silêncio total se
seguiu. Soube-se que a 6 de agosto, primeira 5a. feira do mês, um comboio de
judeus, quase todos convertidos, tinha partido em direção da Polônia.
O último traço
conhecido desta eminente religiosa é um pequeno bilhete a lápis remetido por
mão desconhecida a uma irmã de Friburgo: A caminho da Polônia. Lembranças da
Irmã Teresa Benedita da Cruz.
E, após, a noite.
Ignoramos onde terminou o seu calvário. Não se sabe em que lugar este olhar
profundo que tinha perscrutado sempre os enigmas do homem e do universo,
encontrou afinal a luz sem sombras.
Alguns disseram, com
certo fundamento ao que parece, que foi nas câmaras de gás do sinistro campo de
extermínio de Auschwitz, na Polônia. Mas nada foi confirmado oficialmente. Por
que então perseguir questões sem utilidade?
“Nós não a procuramos
mais na terra, escreviam as Carmelitas de Colônia, mas perto de Deus que
aceitou seu sacrifício e dará a recompensa ao povo pelo qual ela sofreu e
morreu.”
A notícia de sua
morte, numerosos testemunhos de admiração e de veneração chegaram de todos os
lugares da Alemanha. Por sugestão do professor Grabmann, o círculo cada vez
mais numeroso de seus amigos, antigos alunos e admiradores, fez votos de que,
por sua beatificação e canonização ela se transformasse em exemplo luminoso do
conhecimento e do amor de Deus.
Sua clareza não cessa
de se estender aos meios intelectuais e universitários. Como escreveu o jesuíta
alemão Frans Hillig: “É preciso que, graças aos jovens cristãos de todos os
países da Europa, o exemplo desta vida seja arrancado ao passado para que
continue neles cada vez mais vivo e atuante”.
Fim.
Fonte: Convertidos do
Século XX, Livraria Agir Editora, Rio de Janeiro, 1960
Tradução: Hoche Luiz
Pulchério
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