5º dia da NOVENA – 2ª parte da Homilia do Papa
São João Paulo II na cerimônia de beatificação da irmã Teresa Benedita da Cruz
6. Teresa, a
abençoada pela cruz, este é o nome daquela mulher que iniciou o seu caminho
espiritual com a convicção de que não existia absolutamente nenhum Deus. Nos
anos da sua juventude e dos seus estudos, a sua vida não tinha ainda sido
marcada pela cruz de Cristo; no entanto, esta constituía já o objeto da
constante procura e do estudo da sua viva inteligência. Quando tinha quinze
anos, na sua cidade natal, Breslávia, Edith, nascida numa família judia,
decidiu "deixar de rezar", como ela mesma confessou. Apesar de ter
sido profundamente impressionada pela forte fé da sua mãe, transcorreu os anos
da juventude e de estudos com espírito ateístico.
Considerava
inadmissível a existência de um Deus pessoal.
Nos anos dos seus
estudos de Psicologia, Filosofia, História e Filologia germânica em Breslávia,
Gotinga e Friburgo, Deus não ocupava nenhum lugar na sua vida. Todavia,
professava um "idealismo ético muito elevado". De acordo com o seu
grande talento, intelectual, não quis aceitar nada que não fosse provado, nem
sequer a fé dos seus pais. Desejava por si mesma ir ao fundamento das coisas.
Por isso busca
incansavelmente a verdade. Mais tarde, olhando para essa época de inquietude
espiritual, reconheceu esse tempo como uma etapa importante do seu processo de
maturação interior, afirmando: "A minha busca da verdade era uma
verdadeira e própria oração" – maravilhosa frase de consolo para todos os
que têm dificuldade em crer em Deus! A procura da verdade é já no mais íntimo
uma busca de Deus.
Sob a forte
influência do seu mestre, Husserl, e da sua escola fenomenológica, esta
estudante inquieta dedicou-se cada vez mais decididamente à filosofia. Aprendeu
sobretudo "a considerar tudo sem preconceitos e a rejeitar todas as
viseiras". O encontro com Max Scheler em Gotinga, proporcionou a Edith
Stein o primeiro contacto com as ideias católicas. Ela mesma escreve sobre
isto: "As barreiras dos preconceitos racionalistas, nos quais eu cresci
sem o saber, fecharam-se e o mundo da fé apareceu de repente diante de mim.
Dele fazem parte integrante as pessoas, com quem me relacionava diariamente e
eram por mim vistas com admiração".
A longa luta para uma
decisão pessoal de aderir à fé em Jesus Cristo terminou só em 1921, quando ela
começou a ler a "Vida de Santa Teresa de Ávila", livro escrito pela
própria Santa e encontrado na casa de uma amiga.
Ficou imediatamente
impressionada pela leitura e não a deixou enquanto não chegou ao fim.
"Quando terminei à leitura, disse a mim mesma: Esta é a verdade".
Esteve a lê-lo durante a noite toda, até ao amanhecer. Naquela noite ela
encontrou a verdade; não a verdade da filosofia, mas a Verdade em Pessoa, o
"Tu" amoroso de Deus. Edith Stein estava à procura da verdade e
encontrou Deus. Sem mais delongas, pediu para ser batizada e recebida na Igreja
católica.
7. A recepção do
Batismo não significou de modo algum para Edith Stein a ruptura com o seu povo
judeu. Pelo contrário, ela afirma: "Quando eu era uma jovem de catorze
anos deixei de praticar a religião judaica, e só depois do meu retorno a Deus é
que me senti judia". Ela sempre teve a consciência de que "pertencia
a Cristo, não só espiritualmente mas também por descendência". Sofreu
muito pela grande dor causada à mãe devido à sua conversão, mas continuava a
acompanhá-la à Sinagoga e recitava com ela os Salmos. À afirmação da mãe de que
também se podia ser piedosa sendo judia, ela respondeu: "Sem dúvida, mas
quando não se conheceu outra coisa".
Embora desde o
encontro com os escritos de Santa Teresa de Ávila o Carmelo tivesse sido a meta
de Edith Stein, ela teve de esperar mais de dez anos, quando então Cristo lhe
mostrou na oração o caminho para a entrada no Carmelo. Na sua atividade como
mestra e professora, no trabalho escolar e nas tarefas de formação,
desempenhada na maior parte em Espira e depois também em Monastério, ela
continuou a trabalhar por conciliar ciência e fé. Neste mister queria ser
apenas um instrumento do Senhor. "Quem vem a mim, quero conduzi-lo a
Ele".
Já nessa atividade
ela viveu como uma religiosa, fez os três votos privadamente e tornou-se uma
grande e inspirada mulher de oração. Estudando intensamente São Tomás de
Aquino, chega à conclusão de que é possível "praticar a ciência como um
serviço divino... Só em virtude desta convicção é que pude decidir, em plena
consciência, iniciar de novo (depois da conversão) um trabalho
científico". Apesar do seu grande apreço pela ciência, Edith Stein vai
percebendo com maior clareza que a essência do ser cristão não é o saber mas o
amar.
Quando enfim, em
1933, Edith Stein entrou no Carmelo de Colônia, este passo não significou para
ela uma fuga do mundo ou das próprias responsabilidades, mas uma participação
ainda mais decidida no seguimento da cruz de Cristo. No seu primeiro colóquio
com a Priora daquele Carmelo, ela disse: "O que pode ajudar-nos não é a
atividade humana, mas a paixão de Cristo.”
O meu desejo é
participar nela". Por isso mesmo, no momento da vestição não pôde
expressar outro desejo senão o de ser chamada, na vida religiosa, "da Cruz".
E, no santinho que recordava a sua profissão perpétua, ela pôs a frase de São
João da Cruz: "A minha única missão de agora em diante será amar ainda
mais".
8. Queridos irmãos e
irmãs. Com toda a Igreja, inclinamo-nos hoje diante desta grande mulher, a quem
de agora para o futuro poderemos chamar bem-aventurada na glória de Deus;
inclinamo-nos diante desta grande filha de Israel, que em Cristo, o Redentor,
descobriu a plenitude da sua fé e da missão para com o Povo de Deus.
Segundo a convicção
de Edith Stein, quem entra no Carmelo "não perde os seus, mas os
reencontra, pois a nossa vocação é precisamente a de ser para todos diante de
Deus. A partir do momento em que começou a entender o destino do povo de Israel
"sob o sinal da Cruz", a nossa nova Beata foi desejando cada vez mais
assimilar Cristo no seu profundo mistério de Redenção, para se sentir na
unidade espiritual com os múltiplos sofrimentos do homem e para expiar as
injustiças deste mundo que clamam ao céu. Como "Benedita da Cruz",
ela quis levar a sua cruz juntamente com a de Cristo pela salvação do seu povo,
da sua Igreja e do mundo inteiro. Ofereceu-se a Deus como "sacrifício
expiatório pela paz verdadeira", e sobretudo pelo seu povo oprimido e
humilhado. Depois de ter sabido que Deus de novo tinha com força pousado a Sua
mão sobre o seu povo, convenceu-se de que "o destino deste povo era também
o seu".
Na sua penúltima obra
teológica "A ciência da Cruz", que começara a escrever no Carmelo de
Echt como Irmã Teresa Benedita da Cruz que todavia não pôde concluir porque
teve de empreender o seu caminho da cruz – ela observa: "Quando falamos de
ciência da Cruz não entendemos... como pura teoria, mas expressamos uma verdade
viva, real e efetiva". Quando vislumbrou sobre ela, como uma nuvem
espessa, a ameaça de morte que pesava sobre o seu povo, mostrou-se disposta a
testemunhar com a própria vida o que aprendera anteriormente: "Há uma
vocação a padecer com Cristo e, como consequência, a colaborar na sua obra de
salvação... Cristo continua a viver nos seus membros e neles continua a sua
paixão; o sofrimento suportado em união com o Senhor é a Sua paixão, o qual
está inserido na grande obra de redenção e mediante ela se torna fecundo".
Com a sua irmã Rosa,
a Irmã Teresa Benedita da Cruz percorreu o caminho para o extermínio, unida ao
seu povo e "pelo" seu povo. Todavia, não aceitou passivamente o
sofrimento e a morte, mas uniu-os conscientemente ao Sacrifício expiatório do
nosso Salvador Jesus Cristo. Alguns anos antes, escrevera no seu testamento
espiritual: "Desde já aceito a morte que Deus me tem reservada, com
alegria e completa submissão à Sua santíssima vontade. Peço ao Senhor que se
digne aceitar, o meu sofrimento e a minha morte, para seu louvor e glória, por
todas as necessidades... da Santa Igreja". O Senhor escutou esta oração.
A Igreja propõe hoje
à nossa veneração e imitação a Beata Mártir Teresa Benedita da Cruz, exemplo de
seguimento heroico de Cristo. Abramo-nos à mensagem que ela nos dirige como
mulher do espírito e da ciência, que na ciência da Cruz conheceu o ápice de
toda a sabedoria; como uma grande filha do povo judeu e uma grande cristã no
meio de milhões de irmãos inocentes martirizados. Ela viu que a cruz se
aproximava de forma implacável, mas não fugiu atemorizada; pelo contrário,
animada pela esperança cristã, abraçou-a com amor e entrega total e penetrada
pelo mistério da fé pascal, saudou-a à sua chegada: "Ave Crux, spes
unica!".
Como disse na sua
breve Carta pastoral o vosso venerado Cardeal Höffner: "Edith Stein é um
dom de Deus, uma advertência e uma promessa para a nossa época. Possa ela
interceder junto de Deus por nós, pelo nosso povo e por todos os povos!".
9. Queridos irmãos e
irmãs. A Igreja do século XX vive hoje um grande dia! Inclinamo-nos
profundamente diante do testemunho da vida e da morte de Edith Stein, ilustre
filha de Israel e ao mesmo tempo filha do Carmelo, Irmã Teresa Benedita da
Cruz; uma personalidade que reúne na sua rica vida a síntese dramática do nosso
século. A síntese de uma história cheia de feridas profundas que ainda hoje
continuam a fazer sofrer, mas que homens e mulheres com sentido de
responsabilidade se esforçaram e continuam a esforçar-se por sanar; síntese ao
mesmo tempo da verdade plena sobre o homem, num coração que esteve inquieto e
insatisfeito "enquanto não encontrou a paz em Deus".
Ao dirigirmo-nos
espiritualmente para o lugar do martírio desta grande judia e mártir cristã,
para o lugar daquele acontecimento terrível que hoje se chama
"Shoah", escutamos a voz de Cristo, o Messias e Filho do homem, o
Senhor e Redentor.
Como mensageiro do
mistério insondável de Deus, Ele diz à Samaritana junto do poço de Jacob:
"A salvação vem
dos judeus. Mas vai chegar a hora e já chegou, em que os verdadeiros adoradores
hão de adorar o Pai em espírito e verdade, pois são esses os adoradores que o
Pai deseja. Deus é espírito e os Seus adoradores em espírito e verdade é que O
devem adorar" (Jo. 4, 22-24).
Bendita seja Edith
Stein, Irmã Teresa Benedita da Cruz, uma verdadeira adoradora de Deus, em
espírito e verdade.
Sim, bendita!
Fonte:
Em Colônia, no Rito
de Beatificação, publicado no jornal L'Osservatore Romano, edição semanal em
português n. 20 (912), 17 de maio de 1987, págs. 5/6 (253/254).
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